O paradoxo do progresso: Como a 'destruição' leva ao crescimento, segundo o Nobel 2025.

O paradoxo do progresso: Como a 'destruição' leva ao crescimento, segundo o Nobel 2025
Por que a prosperidade parece exigir tanta instabilidade? A ascensão do streaming implicou a falência de locadoras de vídeo. O sucesso do smartphone tornou obsoletas, quase da noite para o dia, as indústrias de câmeras digitais, aparelhos de GPS e tocadores de MP3. E se esse ciclo de ruptura, que fecha empresas consolidadas e desloca empregos, não for um defeito acidental do capitalismo, mas sim o seu motorcentral e indispensável? Pois é exatamente este paradoxo, a 'destruição' como pré-condição para o crescimento, que o Prêmio Nobel de Economia de 2025 decidiu coroar.

A força disruptiva que explica esse movimento foi apresentada por Joseph Schumpeter como "Destruição Criadora", popularizada em sua obra "Capitalismo, Socialismo e Democracia", publicado em 1942. Por décadas, ela foi mais uma observação poderosa de Schumpeter, mas o Nobel de 2025 foi concedido ao trio que mudou isso. Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt foram premiados por provar, de formas distintas, que essa turbulência não é um efeito colateral do crescimento – ela é o próprio crescimento. A Academia Sueca dividiu o prêmio respondendo a duas perguntas fundamentais: primeiro, porque esse motor de inovação sequer começou a funcionar; e segundo, como ele se mantém girando.
“Este processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver.” (Schumpeter, 1942).
Em sua obra A Culture of Growth, Mokyr questiona por que essa revolução começou na Europa do século XVIII, e atribui isso ao surgimento de uma "cultura de elite" impulsionada por "empreendedores culturais" – como Francis Bacon e Isaac Newton – que levaram ao "Iluminismo Industrial". De importância central para sua tese é como essa nova mentalidade fomentou as atitudes e os métodos necessários para a inovação, promovendo a aplicação da ciência para a melhoria da condição humana (o "conhecimento útil"). Mokyr foca, portanto, em como a ciência interage com a tecnologia (a produção econômica na prática) e como a sociedade passa a acolher a mudança tecnológica, definindo a transição para o regime de crescimento moderno.

Em contraste, Philippe Aghion e Peter Howitt formalizaram a teoria do crescimento endógeno baseada no conceito de "destruição criadora" de Schumpeter. Em seu modelo, o crescimento sustentado é impulsionado por inovações disruptivas, que são, por sua vez, motivadas pela promessa de "lucros de monopólio" (monopoly rents) temporários para o inovador bem-sucedido. Esse processo de "agitação constante" (constant churning), onde novas tecnologias superam as antigas e os inovadores "roubam os negócios" (business stealing) das empresas estabelecidas, não é visto como um efeito colateral, mas sim como o próprio mecanismo que determina a taxa de crescimento de longo prazo da economia.

Como a Inovação Disruptiva Gera Crescimento Econômico?
Mokyr questiona o porquê de no período da Revolução Industrial (1760 - 1840) a Grã-Bretanha ser reconhecida por possuir bons implementadores e mecânicos, mas não bons inventores. O autor argumenta que no auge da Revolução a Grã-Bretanha foi responsável por 44% das consideradas “principais invenções” do período, tendo grandes avanços tecnológicos durante todo o século XVIII, explicando que o que permitiu tal feito não se restringe ao campo intelectual, mas que, ao contrário, o treinamento técnico de alta qualidade e, acima de tudo, flexível dos artesãos britânicos foi o fator essencial que possibilitou o surgimento de tais inovações. Assim, no decorrer do artigo intitulado “‘The Holy Land of Industrialism’: rethinking the Industrial Revolution”, publicado em setembro de 2019, Mokyr busca compreender o cenário o qual proporcionou um período histórico de grande desenvolvimento, transformação e transição tecnológicos.
“The truth is somewhere in between; it is undeniable that technological progress during the Industrial Revolution was an elite phenomenon, carried not by a dozen or two of big names who made it to the National Dictionary of Biography, but by the thousands of trained engineers, capable mechanics, and dexterous craftsmen on whose shoulders the inventors could stand.” (Mokyr,2005, p.301)
Em paralelo, Philippe Aghion and Peter Howitt propõem-se a investigar, revisitar e repensar os processos de crescimento e inovação mundiais a partir do conceito-chave de “Destruição Criadora”. Conforme apresentado pelos autores, esse processo está envolto de um paradigma, descrevendo o processo contínuo pelo qual novas inovações emergem e, inevitavelmente, tornam obsoletas as tecnologias, firmas e atividades econômicas existentes. Esse ciclo de "renovação contínua" gera um conflito permanente entre o "velho" e o "novo", e implica que um crescimento econômico mais rápido está diretamente ligado a uma maior taxa de rotatividade de empresas (firm turnover), com a entrada de novos inovadores e a saída dos anteriores. Para que esse motor funcione, a inovação cumulativa depende de incentivos – especificamente as "rendas deinovação" (innovation rent) – que exigem a proteção de direitos de propriedade. No entanto, isso cria um dilema central: as rendas são vitais para motivar a inovação, mas os inovadores de ontem não devem usar seu poder para impedir as novas inovações de amanhã.
É possível traçar um paralelo direto entre a necessidade de investimento em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), destacada por Aghion e Howitt, e a ênfase de Mokyr nos recursos práticos para a implementação. Enquanto Aghion e Howitt postulam que a inovação resulta de investimentos em P&D motivados por incentivos (como as "rendas de inovação"), o argumento de Mokyr sobre a Revolução Industrial complementa essa visão, mostrando que o investimento para criar o conceito da invenção não é suficiente. Mokyr ressalta que muitas ideias anteriores à Revolução Industrial, embora sólidas em conceito e design, eram irrealistas devido à ausência da mão de obra e dos materiais necessários. Citando Marc Brunel, ele diferencia o ato de "inventar" do ato de "fazer a invenção funcionar". Portanto, o investimento em P&D (Aghion e Howitt) gera a nova ideia, mas ela só se torna uma força de "destruição criativa" quando encontra os recursos práticos – o capital humano qualificado (artesãos, mecânicos) e os materiais de qualidade (ferramentas, metais) – que Mokyr identifica como decisivos para sua aplicação e lucratividade.

Dessa forma, o crescimentoe conômico é impulsado pela emergência dessas novas inovações (produtos, processos, tecnologias) a fim de tornam obsoletas as tecnologias, firmas e empregos existentes, garantindo a renovação contínua do capitalismo – é importante destacar que, todo esse processo exige uma agitação e turbulência constantes (constant churning), não sendo viável por meios mais suaves. Esse movimento é incentivado pela perspectiva de se obter rendas de monopólio temporárias, ou “rendas de inovação”. Quando uma inovação disruptiva substitui uma tecnologia antiga e menos eficiente, ela eleva a produtividade agregada da economia. Esse processo de rotatividade de empresas (entrada de novos inovadores e saída de antigos) realoca recursos (capital e trabalho) de usos menos produtivos para usos mais produtivos. O crescimento econômico de longo prazo é o resultado cumulativo dessas melhorias de produtividade.
Mas, então, o que de fato torna o crescimento econômico sustentável? Esse ciclo contínuo de destruição criadora, alimentado pela expansão e aplicação do conhecimento útil é o responsável, impedindo que os retornos decrescentes da acumulação de capital sufoquem o crescimento no longo prazo, pois a própria tecnologia está sempre sendo aprimorada. Assim, esse ciclo, sustentado por incentivos e pela aplicação prática do conhecimento útil, permite que a economia supere os retornos decrescentes e mantenha o crescimento no longo prazo.

O Brasil sob a Lente da Inovação
O crescimento econômico moderno, em sua essência, é impulsionado por um processo dinâmico de "destruição criadora". Conforme formalizado por Philippe Aghion e Peter Howitt, o crescimento sustentado não emerge de um progresso suave, mas sim da turbulência de inovações que melhoram a qualidade e tornam obsoletas as tecnologias, firmas e processos anteriores. No entanto, esse motor de prosperidade opera sobre uma tensão central: a inovação exige incentivos. Além disso, como demonstra o trabalho de Joel Mokyr, mesmo a melhor das invenções é economicamente estéril se a sociedade não possuir o "conhecimento útil" – tanto o científico quanto o prático.
Para melhor compreensão das colaborações dos laureados, conversamos com a Maria Eduarda Mota, fundadora da PUC angels– associação sem fins lucrativos com objetivo de promover a educação e o empreendedorismo de impacto – e especialista em Corporate Social Responsibility (CSR) na IBM, que traz uma perspectiva crucial para entender como os desafios da destruição criadora e, fundamentalmente, as barreiras à implementação prática – o "conhecimento útil" de Mokyr – se manifestam na atualidade

Mota ressalta os desafios para o Brasil converter novas ideias em soluções que gerem o crescimento econômico, mas, também, observa sinais de avanço com o surgimento de ecossistemas criativos:
“O Brasil possui um sistema científico robusto, mas enfrenta obstáculos para converter conhecimento acadêmico em soluções economicamente viáveis seja por barreiras regulatórias, ausência de cultura empreendedora nas universidades ou escassez de instrumentos de fomento que integrem o setor produtivo desde as fases iniciais da pesquisa.(...) Iniciativas como a Nova Indústria Brasil (NIB), o fortalecimento dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) e programas de aceleração universitária têm criado pontes entre os atores do Sistema Nacional de Inovação. É nesse contexto que surge a PUC angels (...). Na prática, o que mais facilita hoje a inovação é a criação de ecossistemas colaborativos: quando a universidade deixa de ser apenas um espaço de formação e passa a ser também um ambiente de experimentação, capital semente e impacto real.”

Aprofundando a análise do cenário doméstico, o panorama brasileiro ilustra vividamente a dificuldade em converter potencial inovador em produtividade real, um desafio central tanto para o modelo de Aghion quanto para a tese de Mokyr. Assim conclui Mota:
“A tendência com maior potencial de transformação econômica no Brasil está na convergência entre inovação tecnológica e sustentabilidade, especialmente no uso de tecnologias limpas, bioeconomia e digitalização industrial. O país reúne vantagens comparativas únicas: uma base científica consolidada, biodiversidade incomparável e capacidade de absorção tecnológica crescente (mas que carece de atenção para ser eficazmente aprimorada). O desafio é alinhar esses ativos a uma estratégia de política industrial moderna e de longo prazo.
(...) Fazer da inovação não apenas um vetor econômico, mas também um instrumento de transformação social e ambiental é o verdadeiro motor de um desenvolvimento nacional sustentável no século XXI.”
Dessa forma, o cenário brasileiro ilustra o desafio de converter um sistema científico robusto em soluções economicamente viáveis, uma dificuldade central para as teses dos laureados. Superar barreiras regulatórias e culturais exige ecossistemas colaborativos onde a universidade gere "impacto real". A convergência da inovação tecnológica com a sustentabilidade, potencializando vantagens únicas como a biodiversidade, surge assim como o verdadeiro motor para um desenvolvimento nacional sustentável.
Referências:
1. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/10/24/pais-investe-pouco-em-pesquisa-e-inovacao.ghtml
2. https://revistapesquisa.fapesp.br/dados-de-vencedores-do-premio-nobel-abastecem-estudos-sobre-tendencias-e-avancos-da-ciencia/
3. https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/noticias/noticias/514-nobel-de-economia-destaca-a-importancia-da-inovacao#:~:text=Os%20economistas%20Joel%20Mokyr%2C%20da,os%20laureados%20com%20o%20Pr%C3%AAmio
4. https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2025/summary/
5. https://valor.globo.com/mundo/noticia/2025/10/13/nobel-de-economia-coloca-inovao-no-centro-do-debate-diz-pesquisadora-do-ipea.ghtml
6. https://lburlamaqui.com.br/wp-content/uploads/2021/02/Thomas-K.-McCraw-Prophet-of-Innovation_-Joseph-Schumpeter-and-Creative-Destruction-2007.pdf
7. https://jornal.unicamp.br/artigo/2025/10/21/um-premio-nobel-para-o-saber-e-a-complexa-relacao-entre-ciencia-tecnologia-e-sociedade/
8. https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2017/03/pdf/book3.pdf
9. https://www.nobelprize.org/uploads/2025/10/advanced-economicsciencesprize2025.pdf
10. https://lburlamaqui.com.br/wp-content/uploads/2021/02/14_Schumpeter-Capitalismo-socialismo-e-democracia-.pdf
https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-biologicas/amazonia-biodiversidade-desconhecida-comeca-a-ser-revelada-nas-diferentes-alturas-da-floresta/
São Paulo, 04 de novembro de 2025.

